Um despretensioso registo desta aventura nos antípodas…

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

BALANÇO


O fascínio dos antípodas toca a muitos, percebe-se facilmente. Nesta linha, perguntam-me, invariavelmente, se esta foi a viagem da minha vida.
Interiormente – aliando razão à emoção - não hesito na resposta. Não, não foi.

A América do Sul pode continuar sossegada (como se lhe importasse para algo o que penso ou sinto), pois continua a ser o meu cantinho predileto neste pequeno globo.
ADOREI a Austrália, gostei ainda mais da Nova Zelândia (aliás, como estava à espera), mas a estes destinos de sonho (que o são, de facto) faltam várias “nuances” para merecer a predileção nos meus gostos de viagem.

Na verdade, ambos os países revelam-se tão perfeitinhos que quase me stressam (exagero, claro, mas é para que me entendam). Sinto falta do imprevisto, de “confusão”. Das dificuldades das quais nascem as boas histórias. Aquelas que não esqueceremos e nos “atropelamos” (eu, Carlos e Zé Luís) para contar aos amigos.

É impressionante o avanço social de ambos os países – no Ocidente (em Portugal nem vale a pena falar) temos tanto a aprender… - nomeadamente o sentido comunitário das pessoas e a sua integridade moral.

Do outro lado do planeta, valoriza-se o bem comunitário e não se brinca com ele. Sabem que todos têm a ganhar. Lá, a honestidade é uma inquebrantável questão de honra. Aqui, na chico-esperta Lusitânia, a seriedade parece um estigma atribuído apenas aos “totós”. E, com essa bela filosofia, afundamo-nos enquanto sociedade, sem que o fim do abismo se vislumbre no horizonte.

Em termos de simpatia, “kiwis” e “aussies” não ficam atrás dos primos canadianos. Aliás, foi com humor que várias vezes foi comentado, com diversos interlocutores, por que são os ingleses uns “idiotas” se todos os seus descendentes são simplesmente espetaculares? (sim, sei que é uma leviana generalização).

Se as pessoas são fantásticas, as paisagens da Nova Zelândia e Austrália cortam a respiração. Enchem o peito e espírito de qualquer um. Deslumbrantes Fiordes, imponentes vulcões, espantosos glaciares (Nova Zelândia), idílicos corais, o imenso outback, divinas praias (Austrália)… sobram motivos para visitar estes países, assim a carteira consinta – estou a preparar o meu coração para as contas finais que vão ditar o rombo que levámos nesta aventura.

Ainda assim, mesmo com todos estes justificados elogios, falta algo. Ou vários “algo”. Estas terras foram povoadas pelos europeus há “apenas” dois séculos e meio (nunca lá deveríamos ter posto os pés), sente-se a ausência de uma cultura própria.

Aborígenes e maoris, por milhares de anos tranquilos reis e senhores destas paragens, são agora mero isco, simplesmente forte atração turística, pois nos respetivos países a sua vida está longe de ser fácil. São marginalizados e isolados (nomeadamente os aborígenes), apesar das “regalias” sociais.

Desapontado pela ausência de uma cultura mais forte, que não fosse réplica de outras anglo-saxónicas, com uma identidade muito virada para o “fish and chips”, em todas as áreas. Aliás, metáforas à parte, gastronomia local é algo que também não existe. Podemos facilmente encontrar qualquer tipo de “fast food” ou comida asiática, mas não há tradição local em termos de gastronomia. Grande desilusão.

Falta ainda história. Da recente, dos últimos 200 anos, com maior ênfase nos últimos 40, há de sobra. Mas falo de História. Até nas pessoas. Saudades dos idosos nos quais podemos ler crónicas nas suas múltiplas rugas, mãos encardidas, no singular traje ou no profundo olhar…

Sinto falta de entrar num transporte público e, ao fim de umas horas, ter inúmeras histórias para recordar. Daquelas com textura, sabor, odor… que estimulam e amarram totalmente a plenitude dos nossos sentidos.

Bom, 2011 é já ali… e destinos não faltam. Até já…

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

UMA NESGA RUMO A CASA


No concorrido aeroporto de Doha – a Qatar airways ganha cada vez mais adeptos pelo mundo – sobravam indicações de “delayed” no painel das partidas. Tememos o pior. Sabíamos que por essa Europa sobravam aeroportos fechados e são aos milhares os que estão retidos, sem poder viajar. A Sofia e o Paul, que chegariam no mesmo dia que nós, estão retidos três dias em Londres.

Essa não era, certamente a melhor forma de terminar esta viagem. Ao todo foram 14 voos e empenar logo no fim era castigo imerecido.

A nossa escala era em Milão. E sabemos que o Norte de Itália costuma boicotar em força quem viaja de Inverno. Os olhos cresceram mais atentamente para o painel e, algo incrédulos, esboçámos um sorriso. Tímido.

Será que vamos mesmo ter sorte? Escapar por uma nesga?
A verdade é que à hora prevista, estávamos a fazer o check-in. Estava a correr bem. Mas nada impediria de que a situação mudasse já quando estivéssemos nos céus da Europa.

“Está tudo calmo. Nem sequer há neve”, queixou-se o Carlos, minutos antes de Malpensa nos estender a pista.
“Olha melhor, pois é impossível. Vais ver que quando descermos um pouco mais não faltarão mantos brancos”, respondi.

E assim foi. A zona de Milão estava completamente branca, mas, às 05:30, os deuses ainda dormiam, tal como a sua fúria. Escapámos de ventos e tempestades e pousamos serenamente num imenso manto branco. A primeira parte do problema estava resolvida.

Agora havia que deixar o Terminal 1 e correr para o Terminal 2, onde nos esperava um voo Easyjet. Operação bem sucedida. Mesmo com a confusão festiva de vários “tifosi” do Inter, que esperavam no aerporto a equipa que se tinha sagrado campeão do Mundo.

Juntos, estávamos autorizados a transportar 60 quilos. Malvadez, levámos 60,1 kg. Rimos com vontade. A menina do check-in não achou assim tanta piada. Nem quando, prestáveis, nos voluntariamos a retirar 100 gramitas de uma das malas. Há quem não acorde de bom humor…

Com pequeno atraso, acabámos por partir. Os próximos passos em terra firme, já seriam no Porto…

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

DOHA


Já tínhamos saudades das festas que por esse mundo fora se têm feito em nossa “homenagem”. Guardaram-na para a despedida. Em Doha, capital do cada vez mais pujante Qatar.

Tínhamos apenas 12 horas para conhecer a cidade. Pagámos o Visa para entrar no país e metemo-nos à aventura. Um minuto após entrarmos num autocarro, já nos perguntavam se éramos brasileiros. Falávamos a mesma língua, justificaram. Esclareci que do outro lado do Atlântico falam português, língua que é usada em vários continentes.

O jornalista/comediante, nosso interlocutor, sorriu com a aula. “Já tens um destes?”, perguntou-me de seguida, referindo-se ao cachecol do Qatar. Face à minha nega, ofereceu-mo. Com um sorriso ainda maior.

Saímos na central de camionagem (o caos em terra batida) e íamos apanhar novo transporte para o centro da cidade, mas as estradas estavam bloqueadas para a festa. Mesmo com mochilas pesadas, fomos a pé.

Milhares e milhares pelas ruas, orgulhosos com o dia da independência do seu país. Em Portugal, o 10 de Junho é apenas um feriado para muitos irem à praia, aqui vive-se efervescente orgulho nacional.



Nunca vi concentração igual de jipes. O petróleo dá, realmente, para muito. Foi assim que se conquistou o Mundial2022 de futebol, feito ainda bem vivo nos locais.

Ao som de ensurdecedoras businadelas constantes, caminhámos toda a baia, em quilómetros sem fim. Sheiks e sua trupe trajados a rigor, senhoras de burkha aos saltos e as que mostravam o rosto (mas com cabelo tapado) com bandeiras do Qatar estampadas em cada face.

A fome apertava e, enquanto caminhávamos, buscávamos comida. Em vão. Uma festa de arromba e NADA para comer em lado algum. A polícia sugeriu-nos ir até à imponente zona dos arranha-céus, que tinham vários restaurantes, mas, lá chegados, NADA. Ao longe, estas torres têm um efeito fantástico. No terreno, um local sem alma. Dinheiro, luxo, mas ausência total de alma.

O foto de artifício a cobrir toda a extensa baía foi imponente, mas nada que se compare aos nossos. Faltou-lhe “cor”. O fogo do nosso S. João faria corar os senhores do petróleo.



No fim, fomos jantar a um apinhado “souk” e depois, aos empurrões, lá conseguimos lugar num autocarro que nos deixou perto do aeroporto. No meio do transito infernal, não havia sinal de táxis.

Sabíamos que vários aeroportos na Europa estavam fechados devido ao mau tempo. O que nos reservaria Milão?

VÍDEO SENHOR EDGAR

Mais do que as nossas palavras, o vídeo da conversa com um luso-descendente de joviais 79 anos. Note-se que é malaio e nunca estudou português. A sua linguagem é a herdada de há 500 anos...

VÍDEO DA BÁRBARA - Associação Malaca